Um pequeno manifesto

Sou um internauta ávido desde a minha pré-adolescência, no final da primeira década dos anos 2000. Durante muito tempo, parte da minha vida girava em torno da minha “persona” digital nas redes e fóruns de discussão. Ser um adolescente cuja uma das principais formas de sociabilidade foi navegar a deriva na internet não parece algo do qual se orgulhar, mas para mim foi uma importante forma de se expressar. E vendo retrospectivamente, acho que os prós superaram os contras.

Estas formas de se expressar e experienciar a internet, entretanto, quase não existem mais: foram cada vez mais sendo estranguladas pelas formas mais e mais padronizadas de se criar, compartilhar e consumir conteúdo nas grandes redes sociais. Para muitas pessoas hoje, “A Internet” se equipara a essas plataformas.

O que está errado?

Conforme nos empurravam que a nossa vida digital se resumiam às redes de grandes corporações (BigTechs), com conteúdos e formas de interação cada vez mais enxutas, eu fui deixando de me expressar mais elaboradamente. Alem disto, elas tem uma propensão a nos transformarem em consumidores passivos de informação ( pelo pouco incentivo à discussão, interações simples, comentários curtos… enfim: só continue scrollando ).


Enfim, nessas redes, a experiência humana digital tem se resumido a um acumulado de bizarrices, que tento exprimir na lista a seguir:

  • A internet se tornou um experimento social unilateral das BigTechs, onde somos initerruptamente bombardeados de anúncios, manchetes enganosas e controvérsias aleatórias e irrelevantes. Tudo isto para gerar um engajamento cuja única finalidade é a segmentação dos usuários em nichos de consumidores. Você está em um grande funil de vendas.
  • Não existe mais organicidade na internet. Tudo parece impulsionado: marcas e influenciadores homogeneizaram tanto a forma de se criar e absorver conteúdo, que seguir esse estranho culto a individualidade (financeiramente orientado, por natureza) parece ser a única forma de se expressar na internet.
  • As vias de determinação da realidade social pelas plataformas digitais se alargaram. Viver experiências passíveis de gerar conteúdo nessa lógica virou um critério crucial para escolhermos lugares que frequentamos, roupas que vestimos, definirmos nossa alimentação etc.
  • O grande fluxo de informação nos deixa completamente absortos com o crescimento explosivo da complexidade do nosso mundo (ou pelo menos a sua percepção). Não é trivial digerirmos este tipo de informação em um tempo de reação tão curto quanto o que somos expostos. A digestão de algumas informações e a elaboração do mundo precisa de tempo e espaço. Faltando isto, vemos diferentes formas de adoecimento físico/mental, veiculação de desinformações, teorias conspiratórias, degradação das relações sociais, entre outras coisas.
  • Há um problema social e geopolítico pelo fato de que algumas corporações tem muitas, mas muitas informações mesmo sobre os usuários de seus sistemas. Países possivelmente enfrentarão um problema sério de soberania conforme não consigam controlar a saída de dados de seus cidadãos.
    • Um exemplo claro do ponto acima é o uso coordenado das redes para disseminação em massa de desinformações com fins estratégicos, para a conveniência de um interesse imperialista de quem detém essas redes (sabemos quem, né).
    • Cada vez mais, BigTechs americanas se curvam explicitamente à extrema-direita, complacentes com o uso das redes para disseminação das suas idéias. Começaram também a afirmar publicamente um certo descompromisso com qualquer horizonte de transformação e justiça social.

Esta lista não é exaustiva, e continuará a crescer.

Logo, não existe para mim pró algum que reverta a desigualdade esmagadora que se estabeleceu na balança de prós e contras da existência das gigantes redes sociais.

O que nos mantém nas redes? Durante muito tempo, muitos pareciam se importar com o perigo da formação de grandes monopólios de informação, e pareciam se encantar com a esperanças de que mesmo assim poderíamos habitar as grandes redes sociais e as disputarmos para o bem comum. Agora, porém, estes monopólios já estão consolidados, sem regulação alguma, alinhados com o que há de mais reacionário pelo mundo, gerando lucros e prometendo gerar muito mais. Onde há margem de disputa nisto?


Também não é nem mais verdade que estamos em um grande vácuo de pesquisas sobre os efeitos de telas e redes sociais na nossa saúde. Lembro de escutar ainda em 2016 ou 17, nas aulas de Psicologia do Desenvolvimento, sobre estudos e recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria 1para restrição do tempo de telas em crianças e adolescentes, que mais tarde se tornariam campanhas consolidadas contra o uso precoce de telas.

Sinceramente, por qual motivo ainda estamos nessas redes? Minha desculpa é que só as tenho para cultivar a mínima sensação de conexão com as outras pessoas; o que também faz cada vez menos sentido, conforme parecem enfiar mais anúncios para nós do que o conteúdo de quem seguimos. ( Pelo menos ainda são úteis para eu saber das agendas de shows das minhas bandas locais de hardcore preferidas ).

O que parece certo?

Em resumo: não sei.

Mas navegando pela internet eu descobri que não estava sozinho. Há uma comunidade crescente de pessoas na web que também se preocupam com vários destes pontos, sendo a comunidade mais relevante que eu conheci a IndieWeb. Se você já conhecia algumas dessas comunidades, o formato e conteúdo deste texto não deve estar sendo estranho a você; me inspirei em vários sites da comunidade por aí – farei as referências no final.


Mas ainda acho difícil apontar uma saída para a situação. Lendo sobre o destino de uma comunidade “desbandada”2 no Neocities, não sei até que ponto sumir das redes sociais, montar um site estático/blog e redigir textos como este não acabam sendo só uma maneira de fugir do mundo, sem qualquer compromisso com uma mudança real; como ir morar em uma cabana no meio do mato. Além de ser meio pretensioso você tentar abordar todos esses problemas…. em um simples blog.

Controlando a experiência na internet

Por outro lado, sendo honesto comigo mesmo, sei que boa parte da minha insatisfação com a internet vem da minha forma disfuncional de se relacionar com ela; sempre abusei de várias formas do tempo de tela. Em alguns momentos acho que todo meu idéario colocado aqui funciona, para mim, como uma forma de má-fé, onde coloco a culpa de meus péssimos hábitos nestas estruturas que me fogem ao controle, me desresponsabilizando, como se eu não pudesse fazer nada em relação a isso.

Bebendo de outras fontes3 que a IndieWeb me apresentou, eu vi que o que eu precisava talvez fosse controlar a minha experiência na internet. Tenho vergonha de dizer que foi preciso consumir certa dose de auto-ajuda pra eu perceber que era isso que eu precisava e que isso era possível, mas foi uma lição tão preciosa que acho que vale a pena compartilhar: precisamos ter controle sobre a nossa experiência na internet.

Eu ainda estou tentando elaborar vários pontos sobre isso, conforme tento me distanciar um pouco das mídias sociais. Mas levanto uma reflexão: estamos precisamos mesmo de uma abordagem mais lenta e paciente quanto ao consumo de informação. Uma abordagem que favoreça a releitura, reelaboração e a apreciação de uma ideia e suas consequências através do tempo.

É impossível decidir a importância de um conteúdo pra nossa vida de forma tão instantânea quanto a que as redes nos expõem. Até porque como eu dizia, a grande maioria do conteúdo é porcaria e dificilmente tem importância pra nossa vida. Mas o pior ? Muitos conteúdos não são irrelevantes pra nós! Mas tratamos da mesma forma, sem sequer pararmos pra pensar um pouco antes de continuarmos a scrollar. Sinto que não ter um tempo sério para avaliarmos nossas ideias, quem somos e no que acreditamos é basicamente abandonarmos nosso senso de identidade e personalidade.

Como dizia ao apresentar um pouco do meu passado, tentando olhar positivamente para ele: talvez crescer sabendo expor minhas ideias e colocando-as a prova por aí, enquanto conhecia novas pessoas, tenha sido uma coisa boa para mim. Afinal, isso exige um esforço e um trabalho ao redor de um tempo. Recuperar um pouco disto é o intuito deste site. Quero depositar um pouco da minha energia, personalidade e ideias nele, como um Jardim Digital. Textos e ideias aqui podem crescer e florescer, assim como murchar ou saírem de vista.

  1. 19166f-MOrient Saude Crian e Adolesc.indd ↩︎
  2. A Yesterweb – Reclaiming the Internet ↩︎
  3. Building a Second Brain ↩︎

Algumas referências:

Leituras recomendadas sobre o assunto:


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